AVISO: Esta
publicação contém linguagem forte capaz de ferir mentes fechadas ao preconceito
e avessas ao moralismo.
Ao estudante,
talvez já tenhas
reparado que, durante um ano lectivo, podes fazer a tua nota em duas alturas
diferentes: na primeira semana de aulas ou na última. Tu decides. Se na tua
composição combinares hipocrisia, cinismo e calculismo, tiveres uma especial aptidão
para lamber botas e um talento nato para ludibriar os teus avaliadores, fazes a
tua nota na primeira semana. Se fores genuíno, humilde e honesto, repudiares a
corrupção e lamentares todos os actos de suborno a que assistes de camarote,
fazes a tua nota nos últimos cinco dias do ano.
Para o caso de estares
interessado em optar pela primeira hipótese a receita é mais simples do que
possas imaginar: no primeiro dia entra com o teu melhor sorriso na sala de
aula, ocupa um lugar na primeira fila, mantém o contacto visual com o professor
durante o maior número de minutos que conseguires, vai acenando com a cabeça,
finge interesse. No dia seguinte faz-te acompanhar pelo livro cuja leitura te
foi recomendada, passa pela reprografia, investe uma pequena fortuna em
fotocópias e leva para a aula essa resma debaixo do braço. Não te esqueças de
tirar o maior número de notas durante a aula e esclarecer todas as dúvidas, as
que tens e as que inventaste ter, no final das duas horas. Sê subtil em todos
os teus gestos. Cautela. Os professores não são estúpidos. Um passo em falso pode
ser o suficiente para não brindarem com um “Oscar” a tua actuação.
Se escolheste a segunda opção
talvez sejas o João, a Maria, a Liliana, a Vânia, o Ricardo...ou então tens
outro nome qualquer que, desde a primeira classe, te obrigou a sentar lá atrás.
Tu não escolheste. Eras pequenino e a professora pediu para te sentares na
última mesa. Confessa, até achavas giro ver uma “mini onda” a cada chamada. O
que é certo é que te habituaste a esse espaço. Sociabilizaram-te desta maneira.
O fundo da sala é teu espaço e, sem querer, incorporaste toda a conotação
negativa subjacente a esse lugar. Os repetentes sentam-se na última fila, os
alunos distraídos, pouco inteligentes, ordinários e feios sentam-se na última fila,
os alunos preguiçosos sentam-se na última fila. Ainda tentas inverter a
situação ocupando a primeira vaga nas filas da frente mas não pertences aí. Ofereces
resistência. Tens consciência do teu valor, dos teus princípios, conheces os
teus objectivos mas não és de ferro. Um dia incorporas metade dos rótulos que
te a sociedade te impõe e passas a ser vítima de um tipo cruel de violência: a
violência simbólica. E quem são os agressores? Os professores, esses senhores
que apregoam a igualdade, que se dizem justos e imparciais mas que, como toda a
gente, criam primeiras impressões e são afectadas por elas no dia do juízo
final.
Na tua turma tu sabes distinguir
os “filhos” dos “enteados”. Os professores também. E o problema agrava-se
quando os “enteados” são todos tidos como farinha do mesmo saco, mas não são.
Existem os que sempre foram “enteados” e outros tantos ou mais que o sistema
criou. A qualquer um deste tipo de enteados subestimam-se as capacidades,
poupam-se nos reconhecimentos, omitem-se os incentivos. Aos enteados criados
pelo sistema atribuem-se 10 valores na avaliação, só porque estes se apropriam
do conhecimento que lhes foi passado, citam menos que os filhos, criticam mais
do que os que nascem enteados. Os filhos fazem o “estudo errado” mas são
gratificados por isso. Os enteados fazem dito “estudo certo” mas não passam do
meio da tabela classificativa.
Cada um luta com as armas que
tem, porém anda para aí muita força à solta a roubar balas e travar disparos.
Uma solução: pensem bem o nome dos vossos filhos, porque isto tudo começa aí.
Andreia Moreira
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