quinta-feira, 5 de setembro de 2013

Cartas de Vivian

Tom,

talvez hoje não te ame tanto como amava no dia em que saíste por aquela porta. Escancarada ficou dias de mais. Acreditava que mante-la aberta trazer-te-ia para os meus braços novamente. Rapidamente. Mas as horas sempre custaram a passar. O manto branco que cobre o nosso jardim pela altura do Natal, este ano, levou mais dias para se transformar no líquido mais gelado e limpo a correr pela encosta. Os botões da roseira vermelha junto ao portão, não chegaram a abrir e os raios de sol, bem, esses não tiveram a luz escaldante de outros Verões. E eu estou aqui, pintada num matizado de ontem e hoje, tal como uma folha de Outono que, numa molhada manhã, é pisada no chão de um jardim. Ela perdeu o verde, e o vermelho, aos poucos, é vencido pelo amarelo-torrado. Sinto-me como ela, sem esperança, a ver o amarelo da distância que nos separa vencer o outrora vermelho vivo do nosso amor.
                 Chegou ao fim. Tem que chegar. Hoje não és outra coisa senão uma memória boa que ainda me faz sorrir. Mas hoje quero esquecer e amanhã não vou querer lembrar-te.
                Os meus ouvidos não conhecem mais o som da tua gargalhada. O meu toque está cansado de não te poder sentir e os meus olhos são tomados por uma neblina sempre que te tentam imaginar. Os meus dedos não se entrelaçam mais nos teus. Nunca as nossas mãos voltarão a juntar-se numa tão perfeita comunhão e a nossa união, essa não tem mais a pureza da rosa branca.
                Talvez ainda sorrias por mim, mas não sorris comigo. Talvez ainda penses em mim sempre que vais dormir, mas já não é ao meu lado que dormes. O teu cheiro já não está na almofada e o meu corpo há muito não sente o calor do teu. Os primeiros raios de sol que trespassam a persiana não encontram o teu rosto e isso só leva a que no meu se desenhem feições de quem sofre por não ter quem julga ter.
                Já não te conheço mais como meu. De mim já pouco sabes e o que sabes vives por mim, por meio desta dança de palavras, enquanto eu vivo com outros.
                Tom, o que temos hoje são amarras. Cordas que nos prendem ao ontem, sem nos deixar alcançar um amanhã.
                Tom, liberta-me. Liberta-te. Deixa-me cortar com o que me prende a ti. Corta o que te prende a mim. Deixa-me viver com quem vive comigo. Vive com quem vive contigo. Não te quero mais a viver por mim. Eu não vou viver mais de ti, por mim.
Da, agora já não tua,
Vivian.

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